terça-feira, 26 de junho de 2012

Soprada ao vento por um Antônio comovido, ou De como o santo trabalhou com correio elegante, ou Uma nova prece junina.


... (cabe nas reticências qualquer boa declaração de amor)

E, por fim,
que nessa tua alienação de mim

sinta meu perfume, teu olfato,
sinta todo o sabor, teu paladar,
sinta o calor, a tua carne

que não olhando, vejas,
que não escutando, ouças,
e que não buscando, sintas.

Amém.
 



 (Foto da Brenda Coria Muñoz, editada)

terça-feira, 5 de junho de 2012

Onde


O chão está coberto por um espelho d’água. Nada o perturba, a não ser uma leve garoa dentro de mim, eventual, que busca manter aquele espelho de cor e luz.
Nesse espaço amplo não se vê nada, nem montanhas ao fundo, só o largo espelho. Nele estão belamente refletidas formas brancas, azuis de tons claros, com leves linhas lilases. Não há cheiros, não há sons, não faz frio nem calor. É o reflexo da paz.
De quando em quando uma suave brisa dança no espaço, trazendo a mensagem de lugares distantes. Música, sabor, cores vivas. Sopros livres de felicidade.
De repente me percebo nesse espaço. Até então, a paz imperturbável e a tranquila beleza me distraíam de mim; eu era o mundo, nada mais. Aquele sopro de felicidade trouxe uma perturbação, uma pequena onda no límpido reflexo. Senti-me, busquei-me. Ali estava, no espaço, feita de garoa, refletindo aquelas cores pastéis.
Pequenas ondas se formaram em meu corpo, resultantes do movimento da percepção e busca de mim. Reflexo turvo da paz.
Olho para o espaço. Já não o sinto, agora sou uma observadora. As cores continuam lá, intactas. Amorfas. São um reflexo.
De quê? A inquietação em mim cresce: sou o turvo reflexo de um reflexo. Busco a origem, busco uma forma definida. É difícil dizer onde começa o céu: ele é inferível, sem muita certeza, ali na dobra, no vértice das simetrias. Que vértice? Um olhar mais atento mostra o espaço todo como um caleidoscópio multidimensional, uma sala de espelhos, de ângulos obtusos que formam o que parece ser uma esfera.
Onde está a paz?
Outra brisa, leve brisa... Cheiro de flores, som de risadas, um calor afável, aconchegante.
De onde vem a felicidade?
Lufada forte de vento. Meu guarda-chuva vira ao contrário, minha pasta cai, lama e água molham minha calça em simultaneidade com o carro apressado que levanta uma onda impiedosa que se lança com vontade em mim. Por um milésimo de segundo todas as perguntas do mundo
Onde estou? Quem sou eu? O que é isso? De onde vim? Para onde estou indo? O que tenho que fazer? O que está acontecendo? Como faço para me mover? Que sensação é esse em meu corpo? Olha, mas eu tenho um corpo?! O quê? Quem? Como? Quando? Q...?
O resto do segundo é puro espanto.
E depois disso, a triste constatação de que estou encharcada e atrasada para o trabalho.