quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Shá da tarde

Estava eu bebendo meu chinelo favorito, quando um daqueles pombos azuis, vindos dos Pontrícios Áusperos, me disse que na verdade o que bebia era uma torre branca dum último movimento num jogo de xadrez.
Fiquei pasmada!

abril de 2008

domingo, 5 de agosto de 2012

Entre


 Essa história de despedidas nunca foi fácil para mim. O que é dizer que a vida toda vem com certa dificuldade, pois se a vida é feita de encontros, ela também é feita de despedidas. Não que eu veja um grande pesar nisso, acho natural. Acho que o crescimento vem muito forte nestes momentos. E no fim lido bem com as separações. Acho que é exatamente isso que me incomoda, no durante. Porque cada encontro é tão intenso, tão cheio de vida em si, que se torna eterno e único, e o ego dá uma leve contorcida ao lembrar o paradoxo dos eternos e únicos que são findáveis – em certa dimensão – e não são individuais, existe uma cadeia de únicos. Acho que é aí que está a beleza da vida, nessa dança e comemoração toda.
É importante ressaltar que o fim nunca é o fim (para mim, pelo menos), porque é justamente nesses entres que eu encontro os momentos de maior contemplação. Tudo sempre está de volta, passeando pelo meu ser e se ressignificando nos meus novos eus. Existe toda uma vida nas relações humanas, todo um envolvimento, que às vezes é tão forte que no durante nem sequer pensamos sobre o durante, somente vivemos. E quando acaba existe todo o medo do desconhecido, do depois, toda uma incerteza, que vai gerando novos sonhos, ideais, encontros e durantes. Mas existe um entre, um pequeno lapso, que vem depois da percepção do fim e antes do planejamento do próximo, e nesse lapso está a contemplação. Nesse lapso é onde eu penso sobre o que acabou de ser, o que foi há já muito tempo, e as possibilidades do vir. E nesse lapso tudo revive, e o tempo funciona de forma acrônica.
Eu gosto de entardeceres e de nasceres do sol. É bonito ver a prova da não existência de um antagonismo entre dia e noite; é tudo um processo. E essa transição é cheia de cores, a incidência do sol deixa tudo mais bonito, as estrelas despontam no céu, não é nem muito frio nem muito quente, não é noite, não é dia. É um entre.
Eu gosto de transportes públicos e o caminho para os lugares (deixando de lado a pilha de críticas ao transporte público em São Paulo), ainda mais se há música ou conversas. Eles fazem a transição perfeita, não são lá nem cá, são um mover-se, e dentro deles há um punhado de pessoas nesse mesmo estado, cada uma com sua história e seus destinos e durantes – e de repente nesse entre nasce um encontro.
Eu gosto de viajar, em ônibus de preferência. Mesmo que leve 3 dias para chegar a meu destino. Para mim é muito estranho isso de estar num lugar e de repente estar em outro e aí já mudou tudo as pessoas são outras as cores são outras o jeito de falar é outro e eu ainda não. Acho bonito o que se vê pela janela, a mudança gradativa, os lugares que só vejo de relance, mas já dão uma dimensão do caminho, da vida naquele entre. Porque pode ser que aquele entre algum dia vire destino, e então ele é um relance do futuro.
Também gosto de andar. Bastante mesmo. O entre se alonga, mas o caminho todo deixa de ser só uma passagem e vira um durante. Andar na estrada, ver a paisagem, esperar uma carona. O entre cidades, o meio do nada, também é um lugar. Basta você querer.
E é claro que os durantes são muito lindos e é difícil abrir mão deles, mesmo sabendo que outros encontros virão. Mas é o entre que nos permite recordar e reviver, assim como criar mil possibilidades do porvir, assim como inventar qualquer história que nunca se viveu nem nunca se viverá. Também nos permite somente contemplar o caminho, os outros entres e durantes. Porque às vezes é bom deixar um pouco de ser.