segunda-feira, 7 de outubro de 2013

¿Y qué buscas?



¿Y qué buscas?
Não precisou de mais que isso. Todos buscan algo, principalmente cuando viajan. ¿Qué buscas?
De tudo o que ouvi – e foi muito, e de gente muito sábia – isso que soou o resto do mês, isso que soa sem parar.
Era tucumano, moreno, cabelo longo, barba cheia, e pareceria algo com o Obelix, não fosse o fato de ter aqueles lindos traços autóctones do norte da Argentina. Buena onda, definitivamente buena onda. Regado a fernet cola e outros drinques que a noite trazia.
Tranquilidad, paz. Essa não era minha resposta primeira, mas ele já sabia muito bem qual era minha resposta e esperava por ela para dar um desfecho agradável à noite. Eu, obviamente, joguei a segunda alternativa na mesa. Tranquilidad, paz. No meio de um boliche em Tilcara, claro. Quem ia acreditar? Não deixava de ser verdade.
¿Y qué es paz? ¿Eso es paz? – disse olhando pros lados, pras pessoas saltando animadas no meio da música alta e dos copos de cerveja.
Sí. Puede parecer raro, pero sí. Y felicidad. Extrañaba una buena cumbia. Estoy tranquila. ¿Bailamos?
E seguimos dançando, e eu, como sempre, me esquivei da urgente resposta à pergunta.
Amor, óbvio que é amor. E quanto amor nesse trajeto, quanto carinho, quanta família! É claro, porém, que amor no contexto da pergunta iria permitir uma interpretação que eu não queria para o momento.

¿Y qué buscas?
Esperanza. Gente. Amor. Libertad.
Eu estou com uma manchinha branca na unha do polegar direito. Ela vai caminhando no seu ritmo até a ponta, até o infinito, até o momento em que deixará de existir. Me disseram que quando aparece uma manchinha dessas na unha é um desejo que se realiza.
Tomara que sim.
Já é, tá acontecendo. E tava mesmo. Ele tinha razão. Amor, gente, esperança, liberdade. As estrelas, a lua despontando atrás da montanha e a cidadezinha iluminada tinham me contado que sim, na noite anterior, em cima daquele cerro.
O amor tava ali, latente em cada passo, em cada olhar, em cada sorriso. Eu não sei muito lidar com o amor, com minhas inseguranças. Mas no final das contas, o mais importante é saber que ele ainda existe. E existe porque existe gente que ama, que põe e encontra sua felicidade nas coisas mais diversas possíveis: seu pueblo, sua ascendência e resistência; numa salada de quinua y queso de cabra (ao som de Tim Maia), num asado de morrones y huevos (ao som de Elvis); no pipa que voa longe acompanhando a corrida da menina naquele sol litorâneo; no cachorro companheiro de trilhas; nas cordas de um charango ou uma guitarra; num té de té com uma família que se tornou sua ainda que nunca tenha sido; no olhar misterioso daquela pessoa querida.
Al final, encontramos mucho, mucho más de lo que buscamosaunque capaz no encontramos nunca lo que salimos a buscar.

Fiquei realmente contente em lembrar que as montanhas eram Apus. Lembrei-me daqueles outros caminhos, em trilhos de trem, rumo à cidade perdida. Caminhar por esses lugares de fato traz uma transcendência inexplicável. Algo de lembrar-se e esquecer-se de tudo, de as memórias aflorarem sem nenhum controle nem pertença, todas ao mesmo tempo, numa enxurrada; algo de ser intensamente você mesmo, e justamente por isso deixar de ser tudo o que se é. Foram quatro vezes que senti isso de uma maneira desconcertante, sempre num caminho alto e depois de uma sequência de deslumbramentos com a natureza: na minha infância Waldorf, quando estava no topo de alguma montanha do Parque Nacional de Itatiaia (Pedra da Mina, acho); quando fazia a trilha (Salkantay) rumo a Machu Picchu; quando andava bordeando o Lago General Carrera, torcendo por uma carona, a caminho de Chile Chico; e no Paseo de Los Colorados, em Purmamarca.
Deslumbramentos, momentos de contemplação, de introspecção e de transcendência foram muitos, na vida, mas esses marcaram pela forma, pela parecença entre eles, pela confusão dos sentidos.

Li numa parede que la buena felicidad dicen que no se nota. Não. É tão levinha a felicidade. Aí dá pra levar pra qualquer lado. É um pouco como se fosse uma nuvem, ou um algodão doce, que a gente nunca sabe muito bem quando se forma ou porque desaparece.


Caminando, caminando, voy buscando libertad. Ojalá encuentre camino para seguir caminando (Victor Jara)
O caminhar nos põe de frente com muita gente, muito querida. Gente que busca, também. Não sei que coisas buscarão, mas acho que no final das contas a busca em si é o mais importante, porque ela te põe em movimento. É a expressão máxima de que ainda há esperança.
E aí, aí onde eu nunca havia sido antes, estão as raízes. E aí fica parte de mim, na poeira, no pólen, no vento, na água, no tempo, nas pessoas. Partes que talvez nunca mais encontre. E o engraçado é que isso, ao contrário de me esvaziar, me leva a caminho da plenitude.
Mas se tantos lugares são hogar, estou fadada a sempre sentir saudades.

...¿Y qué hay, compay? 


terça-feira, 1 de outubro de 2013