terça-feira, 5 de junho de 2012

Onde


O chão está coberto por um espelho d’água. Nada o perturba, a não ser uma leve garoa dentro de mim, eventual, que busca manter aquele espelho de cor e luz.
Nesse espaço amplo não se vê nada, nem montanhas ao fundo, só o largo espelho. Nele estão belamente refletidas formas brancas, azuis de tons claros, com leves linhas lilases. Não há cheiros, não há sons, não faz frio nem calor. É o reflexo da paz.
De quando em quando uma suave brisa dança no espaço, trazendo a mensagem de lugares distantes. Música, sabor, cores vivas. Sopros livres de felicidade.
De repente me percebo nesse espaço. Até então, a paz imperturbável e a tranquila beleza me distraíam de mim; eu era o mundo, nada mais. Aquele sopro de felicidade trouxe uma perturbação, uma pequena onda no límpido reflexo. Senti-me, busquei-me. Ali estava, no espaço, feita de garoa, refletindo aquelas cores pastéis.
Pequenas ondas se formaram em meu corpo, resultantes do movimento da percepção e busca de mim. Reflexo turvo da paz.
Olho para o espaço. Já não o sinto, agora sou uma observadora. As cores continuam lá, intactas. Amorfas. São um reflexo.
De quê? A inquietação em mim cresce: sou o turvo reflexo de um reflexo. Busco a origem, busco uma forma definida. É difícil dizer onde começa o céu: ele é inferível, sem muita certeza, ali na dobra, no vértice das simetrias. Que vértice? Um olhar mais atento mostra o espaço todo como um caleidoscópio multidimensional, uma sala de espelhos, de ângulos obtusos que formam o que parece ser uma esfera.
Onde está a paz?
Outra brisa, leve brisa... Cheiro de flores, som de risadas, um calor afável, aconchegante.
De onde vem a felicidade?
Lufada forte de vento. Meu guarda-chuva vira ao contrário, minha pasta cai, lama e água molham minha calça em simultaneidade com o carro apressado que levanta uma onda impiedosa que se lança com vontade em mim. Por um milésimo de segundo todas as perguntas do mundo
Onde estou? Quem sou eu? O que é isso? De onde vim? Para onde estou indo? O que tenho que fazer? O que está acontecendo? Como faço para me mover? Que sensação é esse em meu corpo? Olha, mas eu tenho um corpo?! O quê? Quem? Como? Quando? Q...?
O resto do segundo é puro espanto.
E depois disso, a triste constatação de que estou encharcada e atrasada para o trabalho.

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