domingo, 15 de abril de 2012

Idas e Voltas


Eu nunca soube muito bem como funciona essa história de reacender um velho amor. Até porque, comigo a chama só apaga quando a vela acabou, e se a vela acabou não há mais nada que se fazer (a não ser, de repente, reaproveitar a parafina para fazer um desses enfeites feios de estante, meio natalinos, que acabam parando numa gaveta escondida que adota a função de sepulcro de memórias que não queremos esquecer, mas também não temos mais disposição de polir e cuidar).
Mas talvez nesse caso a vela não tivesse apagado, só queimava de pavio curto e chama fraca. Quando voltei, cheguei a pensar que seria impossível reacender uma chama, teria que improvisar uns galhos, incenso e álcool para arder desordenadamente enquanto elaborava meu plano de fuga. Felizmente não foi assim.
Há certa beleza melancólica nessa cidade que faz seu morador se revoltar, ter medo, ter sempre pressa e sempre planos de partir, mas ao mesmo tempo criar umas raízes que alimentam uma parte importante do espírito. Porque o Largo do Café, o encontro da Avenida São João com a São Bento, a engraxateria, os bares, o Anhangabaú são inegavelmente bonitos. Porque a Estação da Luz, principalmente ali, nas passagens acima do trem, é lugar de descanso e encosto para todo tipo de gente, assim como o Parque da Luz, e é bonito o jogo de cartas dos senhores que se reúnem ali. Porque o povo daqui é desconfiado e carrancudo, te encaram sem vergonha nenhuma, medem de baixo a alto; muitas vezes é medroso; é trabalhador e não deixa espaços para vagabundos ou errantes; povo acolhedor dos conhecidos e/ou importantes, metido em bares, festas fechadas, eventos culturais; mas, justamente por isso tudo, fica tão bonito quando alguém esquece a carranca ou a ironia e ri um riso sincero, meio infantil, quase impudico numa cidade como São Paulo, e é altamente revigorante quando presenciamos um gesto de bondade ou educação. É mais belo que um corpo se desnudando, essas pequenas exibições da alma. E lá no fundo aqueles que têm coragem de cavocar encontram um coração, com mais frequência do que se imagina.
A vida aqui funciona assim: como tem medo, não tem espaços públicos (e abertos) de lazer, não tem praça, não tem banquinho e mesa, não pode sentar na grama, não pode sentar no chão, quase não tem parque, os poucos lugares de conforto que há estão lotados – entre na fila para descansar – e os vazios se paga caro; então você enche seu dia de atividades e trabalhos e baladas para não perceber isso, e quando quiser descanso vai para casa ver TV, depois de brigar ou carrancudear com o primeiro que cruzar seu caminho.
Essas atividades e trabalhos, felizmente, podem ser muito reconfortantes – nessa vida presa daqui nossa melhor escapatória é cultivar fortemente o intelecto, investir nos estudos e no labor, mesmo. Por isso somos tão metidos a inteligentes.
Atrevo-me a dizer que é uma vida sem muitas emoções, com exceção dos desentendimentos com os operadores de telemarketing, que na maior parte das vezes não merece mesmo ouvir você puteando daquele jeito, apesar de possivelmente você ter razão nas suas reclamações. Mas assim, vida movida, de soma de pequenos agitos, e de, às vezes, pequenos prazeres no trabalho, uma felicidade mansa, sensação de realização; um amor ou outro meio insosso e possessivo, ou um drama meio doentio que abala mais pela dor do que pela paixão, ou, com sorte, um amor sereno e calmo, do cansaço que o tempo traz.
A gente aprende a dizer, sem nenhuma sutilidade, alguns bons palavrões para resistir ao dia-a-dia dessa cidade, com exceção de alguns poucos recatados – que, diga-se de passagem, após uma semana de convivência com a que vos fala, já aprende, pelo menos, o divertimento de uma boa praguejada.
Às vezes contamos com algumas surpresas previsíveis, como a chuva ou a mudança brusca de tempo, algum bom evento cultural gratuito, um festival de culinária, um investimento em intercâmbios ou mais uma nova burrada de algum político do PSDB – e que não pensem que isso é uma crítica partidária, ela só é inevitável depois de tantos anos dos caras governando São Paulo.
E que não pensem que essas críticas todas são raivosas ou não me incluem. Vejo-me assim, paulistana (e admito um forte desejo de seguir mudando, ainda que não queira/precise que os outros o façam). E sei bem que temos, mais do que necessário, motivos para viver assim, ser assim. Ô povo sofrido, viu. Porque quem pensa que esse estilo de vida que levamos não é desgastante e sofrido é porque não viveu o bastante aqui. Mas também temos nossas felicidades, somos amados e amáveis. Necessários. E, seja como for, sempre vou lembrar com carinho (um carinho até triste, às vezes) dessa cidade. Acho que essa esculturinha em parafina vai ficar na estante.

2 comentários:

  1. Essa coisa toda aí faz mto sentido. bonito texto.

    mas como um designer chato devo resmungar q n dá p ler nada que não esteja na coluna central do blog. acho melhor repensar a relação imagem de fundo e cor de texto. =P

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    Respostas
    1. Tô ligada, tenho que fuçar nas configurações do blog, aqui, mas preciso do tempo pra gastar nisso. Se quiser dar umas dicas, eu aceito. =]

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