sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

A dona aranha




Fia a aranha calmamente sua teia. Tem uma sabedoria ímpar, uma paciência milenar, um coração que parece nem pulsar.
Uma mosca está ali, a sua espera. Já nem se debate mais, aceitou sua entrega. Não importa quantas vezes fuja, vai cair naquela rede de novo, e de novo, até que a pequena aranha por fim acabe com sua vida.
Dona aranha, malandra que é, nem se move. Nem olha a pobre mosca, com um desdém comovente.
Primeiro a mosca se debatia numa tentativa de fugir para bem longe daquele fim horrendo. E se libertou inúmeras vezes. A fiandeira não fazia nenhum esforço para manter a prisioneira, simplesmente mudava estrategicamente sua teia de lugar.
A mosca, num dado momento, percebeu isso. Tentando entender a dinâmica desse universo peculiar, arriscou-se e se depositou na teia calmamente, como que numa pesquisa antropológica de alto risco. E nada, nenhuma atenção. Estava livre. A aranha se distraia com outra refeição duramente capturada.
O mundo inteiro virou aquele pequeno lençol pegajoso, que já não era mais itinerante. Todo o mistério da vida estava ali, para a pobre mosca. Não entendia o porquê da desatenção que sofria. Será que era muito magra, muito feia, muito chata, muito estranha? Nessas indas e vindas frenéticas, buscando soluções e conseguindo cada vez mais perguntas, chegou a questionar sua própria existência.
Estava decidida: ela não existia. Parecia muito estranho, mas era a única resposta cabível. Todo o peso das dúvidas desvaneceu. Todas as dores sanaram. Leve e despreocupada, se recostou docemente sobre a teia, balançando com calma. Já não havia mais o que temer: se não existia, não haveria morte.
Aquele minuto de olhos fechados, ao vento, pareceu uma vida inteira. Uma transcendência sem igual. Até uma terrível sensação de ausência. Sentia falta da aranha. Seria amor? Abre os olhos confusa. Sem muito tempo para absorver informações, percebe seu premeditado e desconstruído destino se assomar numa velocidade inimaginável. Dor lancinante, falta de ar, silêncio, mesmo com tanta coisa a falar. E no segundo seguinte, torna-se um adorável bolinho proteico numa pança estufada e satisfeita.


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