domingo, 28 de dezembro de 2014
terça-feira, 16 de dezembro de 2014
essa caixa que é
Talvez o que me faltasse fosse desenhar com a marca d’água
que o suor do copo formava na mesa. Faltou colorir com os batons borrados e
sorrisos amarelos. Faltou buscar qualquer coisa de mais natural nos perfumes já
transpirantes.
Era uma caixa, uma caixa cinza e com um ar condicionado
desproporcional, e estava cheia de um vazio latente e sutilmente ignorável pela
falta de espaço físico no lugar. Corpos, tentando dizer qualquer coisa que
ninguém sabia bem o que. Corpos buscando outros corpos para sentir a repulsa
diária do contato com o outro. E daí que aquilo tudo parecia um disco riscado,
ainda que em sua gênese fosse uma música agradável. Os mesmos versos, de novo e
de novo e de novo, e ninguém nem se dava conta de estar repetindo os mesmos
versos, de novo e de novo e de novo.
E de novo
Faltou saber criar a partir daquelas mesmas velhas e
cansadas coisas. Faltou um pouco de estar dentro naquele estar fora.
Faltou entrega. Sempre falta entrega. Não dá tempo. Não dá
força. Dá medo. Amanhã já acaba tudo isso. E daí...
Tem algo de aconchegante em se meter nas caixas, aquela
segurança de “mesmo sabendo que vai dar errado, que vai faltar, eu pelo menos
conheço isso tudo e não preciso temer o desconhecido”.
Qualquer shopping center do mundo deve corresponder minimamente
às nossas expectativas; qualquer garrafa; qualquer aeroporto; qualquer motel;
qualquer fetiche.
Saímos um pouco para respirar, e é tão difícil respirar. É
como se tivéssemos acabado de nascer, toda santa vez, e toda vez enche o peito
a vontade de chorar.
Mas esse chorar de percepção da vida, de vinda, não deveria
causar angustia... Assustador cada renascer, o reencontro com todas as
possibilidades e nenhuma. Mas é vida.
E então que toda fênix tem algo de suicida, algo de saber
partir e encarar a queimação do primeiro sopro de vida, de novo e de novo e de
novo. Eternamente vão soar os seus lamentos de morte, eternamente vão raiar
novas chamas. Mas é preciso sair da caixa.
segunda-feira, 6 de outubro de 2014
A única coisa que faz sentido nesse lugar são as pombas no telhado
Às vezes me pergunto por que é mesmo que não gosto dessa
cidade... Parque da Luz, 16h30; Ibirapuera, 10h: a incidência do sol e o canto
dos pássaros me fazem sentir outra pessoa, deslocada para um lugar melhor, para
algum canto aconchegante de memória ou ideal.
Mais um dia de trabalho, respiro fundo, menos um dia de
trabalho. Cinco minutos de passeio no Parque da Luz, por que não faço isso todo dia? Olha o moço lendo livro na mesa de
pedra, com o lago de fundo. Olha os senhores que tocam moda de viola. Olha as
mulheres rotineiramente sentadas nos bancos ou apoiadas em árvores, esperando
por um dia a menos de trabalho...
O crepitar das folhas no chão, as esculturas distribuídas
pela grama, uma brisa leve que às vezes São Paulo se esquece de soprar...
Minhas alpargatas pretas aos poucos vão se desbotando, ficando marrons,
enchendo-se de terra. Isso é vida. A vida inteira vale a pena por esses 5
minutos no parque.
No saguão da estação alguém toca uma fuga no piano. Ah, Luz,
e suas adoráveis surpresas!
Eu quero mesmo é ir embora de São Paulo, pra me lembrar com
carinho desses minutos, parcas horas, tão maiores que a vida-moribunda alimentada
por inércia apática. E um dia voltar e tocar Eric Satie nesse piano, para os
passantes e trabalhadores lembrarem-se da brisa leve e sol morno que ainda há.
Alguma coisa tem que
valer a pena.
quarta-feira, 27 de agosto de 2014
Acho que é
Há uma tristeza dentro de mim
e eu não sei o que fazer com ela.
Tem uma tristezinha dentro,
e eu sei que ela não me pertence.
É como aquele cravo
que nós apertamos com insistência
e ele simplesmente não sai,
e você esquece e passa,
mas de quando em
quando
você lembra que ele está lá.
Uma tristeza de como se eu tivesse
noventa anos de idade
e estivesse a pelo menos
dez mil quilômetros
da minha cidade natal.
Ou aquela tristeza incômoda
de ter perdido alguma coisa
que já nem lembro mais o quê.
E ela vem assim,
maior com nona
seguida da dominante
(com sétima menor).
Eu toco violão
eu toco flauta
eu canto e lamento e lamento
e nenhuma frequência
põe essa tristeza em movimento.
Eu queria saber de quem ela é,
quem foi que deixou ela aqui.
Porque ela não é minha
e não tô em condições
de cultivar tristeza alheia.
Amigos!
Estou doando uma tristeza!
Quem souber desincrustá-la
desse não sei bem onde aqui dentro,
leva a tristeza,
e uma serenata!
É que tenho sono
e muita preguiça
de tentar entender.
Mas não parece nada cabeludo,
minha gente,
é só dessas coisas que às vezes
a gente sente.
Sabe que,
olhando bem no fundo dos olhos
ela não é tristeza não.
Pode que seja só uma tarde de domingo,
ou uma pança bem cheia,
ou o final de um bom livro,
ou a despedida de um amor no terminal de ônibus.
Pode ser que seja só
a ressaca do ontem
precedendo o frio na barriga do amanhã.
Acho que é meu mesmo.
domingo, 3 de agosto de 2014
Apaixonar-se
Ventava fresco, 26°C num dia de inverno, céu azul, tempo
ameno, dia de uma serenidade que nunca uma cidade grande como aquela podia
oferecer. Ela balançava na rede, atenta somente ao movimento de ir e vir e à
música que aquele dia compunha na sua cabeça.
Um frio na barriga. Lembrou-se do caminho para a casa de sua
avó, e de como em sua infância aguardava com emoção os momentos em que o carro
passava por descidas, provocando frio na barriga.
Borboletas no estômago... Toda uma sensação macia e quente
de um carinho interno que subia desde a barriga até o pescoço, envolvendo,
desnorteando, chegando ao rosto no tom avermelhado, como se de repente a coisa
toda virasse timidez.
A serenidade e a sensação de cosquinhas não vinham do
balanço da rede, nem da energia externa. Era paixão. Era um amar adolescente que
ela acreditou que tinha morrido depois de tanta vida trilhada.
Mas da onde vinha? – era óbvio que nascia ali, num ponto
logo abaixo do umbigo – Mas de quem vinha? Tão cheia de vida andava a vida, tão
cheia de gente, de lugar, de espírito, de som. Da onde exatamente vinha?
Parecia que a resposta a essa pergunta traria algo como uma
resolução de problemas; distinguir no meio daquele bolo todo a fonte das
borboletas coloridas e musicais seria o achado da vida.
A rede parou de balançar. Começou a escurecer. Toda sua
banda interna parou de tocar tantas músicas de tarde de sol e um coro de vozes
entoou um motete com textura e movimento de chama de vela.
Atenta ao centro daquela chama ela percebeu.
Que besteira procurar a fonte dessa paixão. Que besteira
desfazer o emaranhado de acontecimentos, como alguém que desmonta um
instrumento musical buscando a origem da música, desfia as cordas à procura dos
harmônicos.
Apaixonante era a própria vida, arrebatadoramente apaixonante,
assim, inteira e complexa.
sexta-feira, 4 de julho de 2014
The door of perceptions
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